“Só pense no passado quandoas lembranças lhe trouxerem prazer!”
“Orgulho
e preconceito”
Faz algum tempo que considero 'orgulho e
preconceito' um cúmplice do meu outono... basta acontecer a estação das folhas
secas para eu buscar o livro na prateleira e sentir em minha pele a velha
{conhecida} sensação... de primeira vez.
Devoro o livro com a ansiedade típica de quem
torce para que, na última página, Mr. Darcy conquiste a teimosa Elizabeth
Bennet. Eu sei, que esse é o desfecho da trama, mas é o caminhar pelas páginas
até o ‘happy end’ que me fascina… a maneira como Jane Austen alinhavou
uma das mais fascinantes histórias de amor... que sobrevive as prateleiras e
parece se reinventar nas páginas exaustivamente publicadas.
Os fatos se misturam… os desenhos se formam… os
olhares se atravessam… as palavras e todas as formas de silêncios se
precipitam! Os acenos ficam presos nos dedos das mãos… e o beijo que nem mesmo
foi escrito: acontece... para o leitor mais atento, que o enxerga nas
entrelinhas de uma trama, que não tem pressa de acontecer. Podemos sentir todas
as precipitações que antecedem ao toque.
Às vezes, o ensejo do beijo é muito mais
interessante e fascinante que o próprio beijo. Quantas vezes não somos tragados
pela vontade que se encerra? A pele anuncia a premissa e nós a vivemos, apenas
do lado de dentro… é como fumaça, que num instante está lá e no outro é levada
pelo vento, para longe dos olhos...
Jane Austen soube dosar as reações de seus
personagens. Até um vilão entra em cena para desviar por alguns instantes a
atenção de uma Elizabeth Bennet... ferida em seu orgulho, pela fala aguda de
Darcy — 'ela é bonita, mas não o bastante para mim'. O troco vem
algumas páginas depois, quando ele completamente apaixonado por essa mulher que
não e deixa domar... se declara — 'em vão tentei lutar contra o que sinto.
Mas de nada adiantou. Não posso reprimir meus sentimentos. Permita que eu lhe
diga como são ardentes os meus sentimentos e a minha admiração por você'.
Ela não teve pena, estufou o peito e o recusou — ferindo-o em suas certezas.
Até então, ele não pensava que existisse uma única mulher capaz de tamanha
afronta.
Ler Orgulho e Preconceito é lembrar que o amor
não é para os dias de hoje… onde tudo é para ontem. A pressa se estabeleceu nos
olhos, nos movimentos, nas falas de todos nós, por toda a parte. Há uma busca
incessante por alguém que nem existe. Queremos nós mesmos, vestido de outro.
Não queremos conhecer. Mudar e adequar é o que move a maioria de nós. Como se
fossemos livros na prateleira. Não gostei da capa, do prefácio. Não gostei, mas
vou ler. Passadas algumas páginas, bufamos.
Amor é coisa para depois… amanhã, como no filme
‘e o vento levou’. Pede dedicação, entrega… cuidados e, sobretudo, tempo para
existir. Pede que a gente desperte sem o outro e ainda assim no outro. Pede que
a gente silencie e suspire e conte os passos até estar diante do olhar que te
despe e veste ao mesmo tempo. Pede um pouco mais de alma-calma... que a gente
se acostume ao que é defeito-qualidade-efeito.
Ler ‘orgulho e preconceito’ é aprender que o dia
seguinte está a um minuto de nós, mas esse breve instante pode ser como aquele
estranho que passa por nós, sem tempo para ficar nos nossos olhos.